sexta-feira, 27 de junho de 2008

_o espelho

Espelho se quebrou,




)Botões por abrir,

uma abelha a te picar.




Pica-me a mim!(




Ah, isso tudo é do lado de lá do reflexo do espelho. De que me adianta?


Não sei, mas sei que amei e amo (.)

sexta-feira, 11 de abril de 2008

_o inferno de dantes

Pessoar, essa é uma tentativa de poesia...tentei aprender com o Gui, só que ele disse que não sabia me ensinar...é algo muito incipiente ainda...acho que não sirvo pra poesiar!!


Leiam e vejam o que acham...

-X-

)Das odes às odes

ao ódio às orbes,

oh! lírico faustoso, degraus

não sobes.



Encerra em ti a poesia ou passai

– das imagens floridas –

ao ente retumbante dos avoantes. Floridos

carreiros embotadas de harmonia, perca tu

, ó fausto, a tua vida.

As veredas que de cá

norteiam, é uma

e basta!(


Do semblante malogrado, ao olhar excomungado,

o passeio se perde na carreta lotada

de galinhas e bois e vacas.

Ó Fausto! ó poeta...

se enxergas

é léria.


Rabiscos,

pueris e tortuosos,

encerram os olhos nossos do

azul-em-dégradé ao laranja-tom-pastel.

O hic et nunc do agora ao agora – nunca o mesmo –

engigantam o guarda-chuva da madama de Monet; ente amado...


Ó poeta! ó político...

Ó Lírico! Ó literato!

Entortai a moral, que as letras

– um reticente ao além –

cadeias repudiam.


Antes

Palavras rabisco

a versos ajuizados


peripécias

d’zumbi – negro d’ocro

cujo soante tremula aos ouvidos dos

pretos d’hoje como estro –

minutar um croqui não arriscarei!

ARGH! – ó poesia! cadê tu?



peripécias

da unidade do martinete d’urubu

ao sambar ao lado de algodões

-doces –

de infante e Platões –

garatujando o preto’ao alvo


Se sorris, ledor,

és vencedor


Se pensas, ledor,

és lutador


Se incitas, poeta,

deixaste de ser fingidor!

quarta-feira, 12 de março de 2008

_agora eles eram o gênio

)e pensar que acabei de publicar o texto debaixo...(


Já tinha seus alguns anos de primário, não era novato, pelo contrário; não havia razão para aquele frio na barriga. Tomava seu desjejum – maçã, leite com banana, granola, puta que o pariu! uma baita refeição pra um moleque na meninice – afinal, por mais que diga sustentar-se num dia todo de brincadeiras e estudos com apenas um Bom dia de sua mãe, ninguém cria forças do além. As colheres da maçã e da granola eram distintas; uma de sobremesa, outra de chá – essa para a fruta; raspá-la até esmiuçá-la a uma polpa gosmenta facilita sua ingestão. O copo em que estava a vitamina de leite com morango não era tão infantil quanto aquele que o segura; transparente, incolor, como um tronco de cone. Sua mãe está mais preocupada com o transtorno da cozinha, com a comida a fazer para si e para as crias, com o marido de sono profundo, com a ordem, acima de tudo – não é incrível a capacidade de nossas mães )até os órfãos a têm, garanto pelos deuses!( arrumarem toda a sala logo depois de uma festa de meninos em torno do vídeo-game, com cachorros-quentes, com milk-shakes e quitutes saudosos da infância? Ele está a comer seu desjejum sem qualquer zelo direto da mãe – como dito, elas são seres especiais, sabem o que passa em torno de si sem mesmo olhar, basta-lhe um dos sentidos –, suas mãos trêmulas derrubam um pouco de maça no copo de vitamina, um pouco de granola na toalha ovulada da mesa. Está no modo automático, se pudéssemos compará-lo a um carro, pensa não no’aqui, mas no’ali, nos dez minutos iniciais do retorno às aulas. Poxa, leitor, imagine você também, um recém-bebê, vai largar sua mãe e deixará de lado o conforto e familiaridade de seu quarto para ir a um lugar hostil onde mal se consegue falar o que quer – o mundo dos púberes e infantes é diferente do dos adultos, é sempre mais fantasioso e épico; o dos velhos é conformado e regido pelas morais e pelas éticas e por isso e por aquilo. puta mundinho chato...mundinho de velho! é o que pensaria um pirralho como o nosso aqui. Está temeroso. Nossa criança está com receio de ir a escola pois sabe: está se tornando um deles; pensa ele que a escola não passa de uma instituição de lavagem cerebral, um lugar em que se aprende a etiqueta de ser-adulto. Seus dedos tremeluzem, mais desordenadamente que aqueles feixes de laser que os palestrantes usam. Sua colher, agora que passaram alguns dois minutos – chega a hora! –, não mais adentra em sua boca, erra e acerta o lábio, a bochecha,... Asseia-se, dois minutos seria exagerado. Sua mãe – nesses quatro minutos! – foi capaz de arrumar a cozinha, acordar o marido, assear-se, vestir-se, pôr sua filha no carro e chamar Venha, filho, está atrasado pro seu primeiro dia de aula. Sabe, leitor, aquele frio na espinha que dizem ser a morte passando sua foice em nossas costas? capaz que nossa criança ache que a escola seja a morte a partir de hoje.

Ah, a matemática, como assusta! Pior: para que saber que duas bananas para cada um teríamos se tivéssemos seis para três pessoas? isso sim é conhecimento inútil, dá-me cá um carrinho de controle remoto que eu esmago essas seis bananas!

)pulemos o sofrimento de nossa criança, afinal, isso aqui não é um conto de terror, vamos à aula em si que nos é mais importante.(

Era o primeiro ano em que a escola decidia colocar uma dupla ao invés de carteiras individuais. Em todas as aulas, portanto, a cabeça pensante de um se mesclaria com a do outro e a genialidade seria duplicada – era esse o raciocínio, correto? – a dupla de nosso personagem era outro garoto, um daqueles que está no grupo dos populares e que, em realidade, não passa de mais um...não é um pop, só tem os contatos certos. A sala parecia uma masmorra repleta de obstáculos, dragões e espinhos, uma longa estrada que terminaria no castelo mal-assombrado que era seu lugar, ao lado de um feudo reinado por um nobre até então inimigo. Que tarefa!

Aventura passada )aqui não vale a pena traduzir a aflição pela qual nosso protagonista passou...nada será de tamanha magnitude(, estão sentados ele e seu colega. Como já dito, ele era um dos integrantes do grupo pop, não era alguém conhecido. Chamava-o de Você. O silêncio entre os dois parecia infindável, um abismo pelo qual apenas um dragão alado conseguiria voar. Ou melhor ainda, eram aqueles instantes prévios da batalha entre os guerreiros; um analisava o outro, procurando pontos fracos, estudando movimentos, esperavam por um deslize para iniciar o combate.


A aula começava de fato. Era momento de aprender a maldita matemática, a professora, com todo aquele vocabulário maternal e confortável, passava exercícios de sistematização, era esse o termo...algo para relembrar o conteúdo. Nossa...que chatice, três meses inteiros de férias e agora vem essa velha coroca querendo que eu lembre como que eu faço contas...que cocô! O monobloco novinho com ilustrações de desenhos animados do canal infantil seria finalmente estreado, o lápis 2B da faber-castel sujaria pela primeira vez o dedo de nossa criança com o toque da desabilidade manual – quase poético. pena que a poesia daqui está mais além. Seus olhos fitavam a caligrafia garranchada no papel, Eu entendo, é o que importa, diria ele; de fato, estava enganado. A professora corrigiria o exercício de sistematização em questão de alguns dias, precisava entender o que estava lá escrito. Fitou por alguns segundos as questões, mal olhou para seu colega pseudo-pop e partiu-se ao trabalho, cinco questões de tirar o fôlego. Seu colega, ao lado, só observava a habilidade matemática de sua dupla: em alguns minutos, fez a primeira questão – uau, esse é um gênio! – mais alguns minutos, a segunda estava feita – qué isso? – terceira, quarta, quinta. Todas feitas e metade da aula ainda sobrava.


Seu medo de conversar com o pseudo-pop era tamanha, preferia ficar em seu mundo, apreciar o seu próprio ego. Arriscando-se, deixou a folha com as questões resolvidas próximo do campo de visão de sua dupla, era um primeiro contato direto – e que contato! – entre ambos, era o início de uma amizade. Você é um gênio, disse à nossa criança, olha só como você faz tudo tão...facilmente!! Mas...pera...acho que essa questão está errada, olha, peraí, deixa eu fazer essa...ei, essa dá pra fazer desse jeito também, né? Não fica mais fácil? Nossa...mas mesmo assim, nunca teria pensado em fazer usando esse raciocínio.


Ficaram conversando sobre as questões o restante da aula, resolveram e resolveram-nas por diferentes maneiras, cada hora com um raciocínio novo. Era uma união da timidez com a popularidade – se é que isso a poesia me permite dizer – na frieza matemática. A aula acabou: Cara, você é um gênio.



)Mal sabiam as duas crianças que genial era a matemática e que ainda mais genial era essa dupla.(

sexta-feira, 7 de março de 2008

_ Ø Q ou o conto em que o protagonista morre no final

)como diria um poeta da meia noite, esse poema lê-se de olhos bem fechados, apenas; dizem que a morte é melhor vista se, ao passeio fatal de rotina, jogarmos fogo nela. Gui, isso foi pra você, pare de decifrá-lo pela leitura, leia-o.(

Das cartas violetas às ligações de sete dias, o que me sobrou a mim foi surpresa, a morte de supetão. E de supetão ei-la.


Minhas mãos passeavam pelo corpo seu como se acariciando estivesse – era em fato carinho, daqueles que seguram e protegem e dizem Cá está a salvo, ao lado de mim – e meus dedos sentiam o grosso de uma cútis calejada – diz você ser resultado meu de tamanha carícia. Sabe você mui bem o que quero, é apenas mais uma demonstração de afeto. Como gosto de sua barriga! Pena ser a única a saber do que me aflora à pele. Vezes até duvido que saiba de fato. )Ah, se o amor fosse moda... Não que o mundo passaria a ser melhor, seria ao menos mais amoroso.( Seu semblante feliz só me diz ou pouco menos – quiçá seja incapacidade minha de entendê-la. Em bom português: que se foda...gostava mesmo era de perder alguns segundos descobrindo um deserto de células mortas.

Mas, ah, meu dedo... Sua pele começa a incomodar meu dedo, que passa a se ver ameaçada Não quero esse destino, sou madame. não suporto concorrência com a beleza que é só minha. Aceito os motivos. Ignoro-lhe a razão.

Pouparei seu tempo. Meu dedo e eu brigamos. Feio. Nada mais previsível. Queria que você continuasse a sorrir – era o sorriso meu que se refletia nos seus dentes, que de brancos, só tinham a pasta; em fato queria manter meu orgulho de tê-la a mim como um amuleto. uma conquista. Ah, mas não é que você – sua barriga safadaaa! – teimava em pedir por carinho, dando-me obrigação de responder – responder tornou-se uma compulsão para mim. era o que eu havia pedido. eu e meu ego – e lá ia eu, boba, apaixonada, brincar. Adoro essa loucura de ver minha felicidade estampada nos rostos dos outros; um exagero imensurável, uma mentira. Uma metáfora. )Não creio... Vem mesmo! Vem brincar comigo, barriguinha, gosto tanto de você, meu dedo compreende!(

Para que? Mais uma vez meu dedo me deu uma bronca. Ok, imagine como ficaria eu horrível com dedos de violeiro, minhas unhas recém-pintadas destoariam. Vezes um bom senso ajuda. )Vamos...compreenda, dedo, é só um carinho desmedido, calos não passam de pele para pele!(

Você deixou de sorrir; eu deixei de ser refletida; meu dedo está satisfeito. Estou aqui, esperando por mais uma safadeza sua; quem sabe sua ousadia não me sirva como desculpa para acariciá-la – ah, como gosto de sua barriga, você é tão macia – e para brigar um pouco mais. Sou uma menina que não faz por mal, faz por amor, faz por paixão – paixão, sim, essa é a palavra! – só quero mostrar isso a todos. )Ah, dedinho enciumado...não precisa disso, seu encanto ainda será só seu. as luzes vão para você ainda!(

Sei lá...me deu uma vontade louca de te beijar, sabe? Um beijo desses que se tasca, mas se perde no ar, só pra dizer Fique, calos, na barriga, estarei sempre por perto, meus dedos não atrapalhariam se você não me atrapalhar. Meus lábios não entram nessa história, não nessa versão – há algumas testemunhas do futuro que dizem que esse é só um começo e o beijo não tardará.

E foi enquanto te cantava, barriga, que meu dedo gritou Olha, é a morte.


)Estou vivo, por mais que a biologia e a metafísica não expliquem. Faço-o sem ajudas: eu, como migo, jazo, a barriga e o dedo, agora, inda brincam de...(


-X-


Esse é um texto arrogante pra caralho.

segunda-feira, 3 de março de 2008

_prova metafísica da existência ou ensaio sobre deus

Se pudesse eu ser lírico por completo, gritaria aos deuses a agonia de sentir as lâminas amoladas do tempo ceifando o agora do agora-há-pouco, ulularia a tristeza do meu navegar nesse rio, pediria misericórdia pela angústia do pesar que passa defronte meus olhos, sussurrando-me Vê, se vê, passou. Pretendo não tardar em ir ao ponto. Lembra daquela vez em que te levei àquela casa que tanto temia no fim daquela rua...

Isso que escrevo não é nada mais que uma recordação do dia que julgo ter sido o mais importante para si, aquele em que descobriu que minha mão não é mais que inimiga tua – sim, sim, sou seu irmão, e como bom irmão, só sou bom se for companhia; como motorista de si, sou um ótimo estraga prazer! – e que aquela casa, ao final das contas, só aparentava ser mal-assombrada; em verdade, era a carapaça que lhe dava o tom medonho. Ser irmão mais velho
tem suas responsabilidades também.

Quanta saudade daquele dia. Viu como é ruim não estar sozinho para suas próprias descobertas, pergunto eu. E mais: um cemitério de onças assassinas da tribo que viveu aqui na época dantes dessa cidade ser cidade é um disparate de grau mor.

Lembro-me que estava você todo cego pelo mito da casa que uivava às noites, via nada na sua frente que não uma idéia fixa. Sua, acima de tudo. Era sua epopéia, a razão de seus maiores pesadelos e sonhos, era um mundo desconhecido que existia apenas em sua imaginação. A casa não era simplesmente uma casa – assim como um homem nunca é o mesmo. Meus anos adolescentes pediam para que te ensinasse os macetes da vida, um deles era te desfazer das fantasias pueris que ainda rondavam sua cabeça – papai noel não gostaria de saber que não mais é personagem em sua vida – tudo isso por pura sensação de superioridade. Sim, sim. Sentia-me o maioral, o deus todo-poderoso, aquele que tudo sabe; ademais, em mim palavras se rebelavam pedindo por libertação. Foi o que fiz.

Era um dia daqueles que os deuses haviam separado para o culto aos olhos fechados. Sem firulas; era fim de semana. Depois do almoço, você me puxou pelos braços com olhos típicos seus, Vamos à casa, perguntavam-me; pois diz que minto, e diz a verdade. Seus olhos nunca falariam, ao máximo, ver-me-iam; era essa minha coisa que não sei explicar que me pedia que inventasse qualquer possível sinal de súplica por parte do seu corpo: o alvará perfeito pra que minha superioridade fosse posta na mesa. Puxei seus braços trêmulos para fora de casa – morávamos no mesmo quarteirão da casa maldita, pergunto se se lembra – e pude notar que havia um freio sutil que desacelerava meu passo: era você e seu medo de defrontar-se com suas verdades – sim, eram verdades suas; cria nelas como se numa religião – e confrontá-las com o que seus olhos queriam mostrar.

Se tivesse dez primaveras, acredito que estaria a pôr anos demais para si, provavelmente sua infância estava ainda no auge – logo se pôde notar com tamanha insegurança que vagava seu pé.

A casa era grande e velha. Telhas caindo, calha descascando, pergolado de madeira colonial apodrecendo, janelas quebradas, típico de um filme de terror. Sua mão suava frio, sei que se lembra disso. Dizia para você que a dona era uma simpática senhora de terceira idade, já enviuvada, que vivia com seus passarinhos livres pela casa, sempre, aos domingos de manhã, libertava-os para um vôo idiossincrático. Recordo-me da primeira vez que conversei com ela; era mamãe e papai que queriam comprar a casa, você ainda era criança de colo, só chorava, por sorte do hic et nunc, a senhora não aceitou a troca justa. Em minha decepção, decidi criar mitos sobre a casa para difamar sua imagem no quarteirão. Dos poucos que sobraram, alguns foram modificados.

Estava você logo atrás de mim, já com lágrimas escorrendo em um choro silencioso e taciturno. Toquei a campainha em uma ritmação que havia se tornado senha de acesso à casa – a senhora saberia de quem se tratava – e abro a porta sem mesmo esperar por resposta. Tenho certeza – não adianta mentir – de que você achou que seus pesadelos eram verdadeiros, o grande salão de entrada estava escuro, permitindo que sombras tomassem formas assustadoras. Você gritou bastante aquele dia. Um grito ininteligível. Mas um grito. Seu.

Ah, mas não seria justo, para mim, deixá-lo na mentira e na hipocrisia. Acendi as luzes. Ao andar superior, podíamos ver a senhora, com um sorriso no rosto, dizia que estava saudosa e que faria um lanche da tarde para padaria alguma botar defeito. Sentia seu pulso, estava a mil por minuto,
por certo.

Não sei o que passou com você, comemos os melhores quitutes, doces, chás, pães, balas, tudo que criança gosta. Seu rosto de assustado – ao que me parecia – não te deixava livre. Saímos de lá com sentimentos opostos. Saí como vilão.


)se você pudesse...ah, se você pudesse – uma única vez – notar que não são ruas, casas, cemitério de onças assassinas, sua imaginação, vontades adolescentes, luzes. Agora você está a caminho da casa, estou se conduzindo da mesma maneira que há anos atrás; suas verdades não querem oposição. E se a rua e a casa fossem esse texto, assim como o cemitério das onças não é mais que uma metáfora para representar a metáfora ou ainda que sua imaginação fosse sua interpretação para esse texto e a vontade adolescente minha em se contar toda a verdade e pôr ao chão suas idéias fosse justamente isso que cá faço; que me dirá você se dissesse que isso que acabo de revelar é a mais pura verdade, pergunto eu. Provavelmente não cometeria o mesmo erro duas vezes. O que acabo de se desvendar é apenas uma grande metáfora ainda maior.(

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

_se nada se adjetiva

Ao entrar na sala de sua casa, o primeiro ponto de repouso de seus olhos será em sua estante que, dela mesma, só se vê o encalço e a lateral madeirada clara marfim, único local onde há vestígio algum da idade já anosa da mobília: alguns espaçados focos de mofo que encobrem o ainda taciturno flectido da madeira do fundo, o que apenas comprova a umidade e a baixa qualidade do estanteado. O sofá preto nem mais se vê, já calado pelos panos, pelo pó, pelos restos de pizza e suas respectivas embalagens, pelo pequeno cão que insiste em morar com ele e pelo catálogo da programação televisiva; decerto o móvel é a estante para o que não é suficientemente organizável em prateleiras e estantes. A televisão são duas: uma inativa pela idade, outra que garante a zombaria durante as vinte e cinco horas do dia – a matemática para ele já não tem tanto efeito, apesar de sabê-lo de sua importância na compra do jornal diário na banca de sua praça e na checagem do troco da pizza, seu raciocínio lógico é evidentemente ineficiente e imprestável. Às máquinas multimídias telemáticas, uma veio-lhe de herança de seu irmão mais velho, o safo é percebido na falta de entrada para antenas externas e na competência de receber ondas de canais dos mais específicos: um estatal, cuja programação se resume em debates políticos dos legisladores e dos deputados e congressistas, outro do mercado financeiro, cuja tela se baseia num gráfico móvel dos preços e valores das principais ações, da cotação de moedas estrangeiras e nacional, como um último exemplo, há o canal religioso de exorcismo, com missas e músicas otimistas e excludentes, resumidas na máxima “só-eu-salvo”ista. Já o outro aparelho, mais recente e de maior potência e definição digital, é o apreço do dono-da-casa, com aproximadamente cem canais fixos e mais cerca de trinta que transmitem, a cada dia da semana, um canal diferente do mundo, uma maneira simplória de viajar o globo com menos dinheiro avoando dos bolsos. Dos cem canais fixos, é fiel telespectador de alguns dez – arriscando alto para parecer-nos menos estapafúrdia a cena – alguns nacionais, apesar da não tão alta qualidade quanto aos de países mais desenvolvidos segundo os especialistas no assunto, outros de países mais periféricos, outros de países isófonos, alguns das potências globais. Pois se duas televisões em destaque, é lá que seria o ponto de repouso natural dos olhos, creria um leitor mais atento; o fato, por mais feérico que possa parecer, é que, ao ponto frontal daquele que está sentado no sofá – a parede das televisões – há um mini labirinto espelhante, típico de parque de diversões, cuja brincadeira está nas diversas formas e reflexões que a feição e o semblante do objeto, sempre o afunilando, engrangecendo-o, engorgando-o; sua vista ficaria zonza e incomodada, porquanto o natural do instinto humano é . Diz o dono-da-casa que adora chamar suas amigas e parceiras sexuais para o sexo excêntrico que os espelhos lhe conferem. – falemos das mulheres por algumas linhas; sua mais preferida é deveras uma morena estudante da universidade da cidade, diz que ela é tímida, muitas vezes ela tem a capacidade de não ser refletida pelos espelhos e se esconder, a outra, mais distante e um pouco mais platônica, é aquela modelo )sim, sim, modelo de revista erótica, sim, uma meretriz, para parecer que somos cultos( que teve seu território invadido já por inúmeros outros, não há ser andante na face desse planeta que não a inveje, é do tipo monumento, a última é também a mais freqüente amiga sexual e a menos reconhecida é uma presente dos milhões de anos de evolução: sua mão esquerda. Há outras, mas essas são as top. – E de que adianta dar toda a descrição dos micro detalhes da sala se o que você verá em proeminências será a estante? Dizem os visitantes da casa dele que essa é o cartão de visita de toda a casa, porquanto todo o resto é inapresentável, por assim dizer, não sendo razoável tampouco a apresentação de seu quarto – imagine então de seu banheiro. Suas prateleiras não chegam a se abarrotar de livros ainda, um jovem da vida pré-madura não conseguiria uma biblioteca considerável, contudo, os volumes que lá encontramos são, resumidamente, de literatura e verbetes de dicionários em línguas úteis para si. Sabem, leitores, aquela hipótese que já foi representada em algum conto do passado de que, contabilizando os verbetes encontrados no livro, podemos ter noção quase que perfeita do que se trata o enredo ou a temática motriz do que se lê? Ora, aqui não seria passível de identificar uma só narrativa que generalizasse tudo numa coisa só, primeiro, qualquer palavra, mesmo que secundária ou meramente usada como fim de sinonímia seria incongruente – vejamos o exemplo de alamba, recorrente no texto, e que, por fins estilísticos, seja trocado por manga, cuja sema se divide entre o fruto e o termo referente à parte do vestuário que cobre os braços; e então? a manga entraria nessa contagem de maneira qual? – outrossim, os vocábulos seriam, ao mínimo, duplicados pelos dicionários. Retomando, a estante está flectida e porosa devido à umidade ou idade da mobília, ele, como bom dono-de-casa que é, gosta de encerá-la com todo zelo que possui, tudo para mantê-la do seu jeito, sabe que não conseguirá transformá-lo em uma estante planejada e montada para ser sua, é apenas mais uma que é prática e lhe serve; mês a mês, o mais tardar, cuida de repintá-la, reencerá-la, o escambau, tudo para que pareça-lhe um móvel feito sob medida para si. Estima especial para com sua estante, podemos ver. Sua vida não se resume a tratar sua mobília de modo esmerado, porquanto isso requer azos e força de vontade que nem sempre existem, imaginem que quando não está ele assistindo a televisão de sua casa ou lendo livros, está trabalhando – se não o disse, diga-se que cá sim o foi dito; é revisor de artigos da revista mais conhecida nas redondezas, se bem que revisar é uma tarefa que esconde metafísica demais, não é qualquer josé da rua que conseguiria. nem ele o faz, recebe para tanto e o máximo que se aproxima da profissão é no nome; lê, entretanto é inábil para a correção mais bem estruturada da língua usada.

)ó!, diriam vocês, mas que passa?! Um parágrafo feito! Digo: há agora no conto uma ruptura, o que antes foi escrito não mais terá continuação lógica na estória; uma nova leitura aqui será demandada. Por dizer em metáforas, que imagino ser um gosto de vocês leitores, o texto que daqui pra frente será lido é nossa estante em reforma, pede por cuidados, e é unicamente nossa bonança que permitiria o apuro.(.)Como narrador, sempre vejo que parágrafos deveriam existir a momentos todos.

Como agora,

e novamente cá.

Não há texto – digo por experiência – cuja homogeneidade é tamanha que, mormente, usa-se parágrafo por páginas, o mais correto – se assim podemos avaliar – é escrever palavras soltas na página, como que sem querer muito dizer exatamente, só deste modo poderíamos perceber as rupturas da narrativa, do autor, do narrador e do leitor. Tudo muito bem jogado ao lodo.(

Ok. Vencem os menos filósofos, aqui não terá uma ruptura digna de parágrafo. A fissura será mais estilística. Vamo-nos aos fatos, vamos ao lide propriamente dito.

Hoje, nesse exato dia, ele não quis ir ao trabalho, diz-se cansado e pirético, uma gripe-por-vir ou um paludismo em tamanho mais diminuto – medicina não é seu forte. Preferiu garantir o dia seguinte de trabalho, cuidar-se por um dia seria suficiente para uma melhora significativa, afinal, todo mal é combatido mais facilmente se no seu sintoma de intróito àquele mais conhecido e avançado, também chamado morte. Ligou para a administração da revista, quem atendeu é o editor chefe, Quem fala por aí, ele responde com seu nome, Cá estou ligando para avisar-lhe que suspeito estar entrando numa constipação que está a entupir minhas vias respiratórias, Decerto esperado, seu apartamento é pó e uma estante, Deveras; gosto muito de..., alguns segundos de pausa cortados pelo editor, Do quê, afinal, não há resposta compreensível, só cofes e atchins típicos de uma rinite aguda, Do quê, dizia, De meus livros, de meus livros, perdoe, o nariz não agüenta o maltrato, Que deus se sare até amanhã o mais tardar, telefones no gancho após uma despedida profissional. A televisão antiquada foi a primeira a acordar e ver o estado de seu dono, seus olhos encaram diretamente a narina escorrendo à medida que mostrava o santíssimo Vigário de cristo discursando sobre o bem-católico-ser. Pousaram-lhe aos ouvidos alguns minutos de mandamentos e desmandamentos sagrados ou profanos que cocegavam os pêlos do órgão que passou gradativamente a nível otítico. Desligou o televisor velho e partiu para o mais moderno: horas do programa estatal do país isófono do continente velho, Ligue para nossas centrais e responda ao questionário para ganhar prêmios em dinheiro, não há mais tempo, são só mais dois minutos – e ficava o cronômetro parado até os dois minutos finais do programa para começar a contagem regressiva. O prêmio era razoável, equivalente a meio salário na revista. Ousou mexer-se para pegar o telefone, o que não foi necessário, uma vez que seu telefone estava em seu colo, como se esperando para ser usado. Discou os tantos números. A primeira questão era simples, política atual para crianças. A segunda já teve uma dificuldade maior, história natural para adolescentes. A terceira – que, pelo ditado, é sempre demais – era transcendental e filosófica, relativa a assuntos como tempo, típico dos que não tem mais nada a fazer. Não soube resolver. Minto, não chegou a tentar resolvê-la, pensou que já havia se excedido no tempo de telefone. Foi pô-lo no gancho, uma hemicrania exasperada passou a tomar-lhe conta da cabeça; doía-lhe o lobo esquerdo, o que é estranho, sabendo que, pelo mais que a ciência avance, temos como parte do acervo cultural o dado que o raciocínio lógico é fruto do lobo direito do cérebro, a canseira, decorrente de uso estressante, causaria dor; o que prova que a hemicrania não é decorrência de sua participação tímida no “desafio cultural” do programa televisivo. Almoçou, televisou, jantou e dormiu para acordar.

Acordou para voltar a dormir, a hemicrania não havia passado, seu defluxo havia se agravado e a sinusite parecia inevitável. Decidiu mais uma vez cancelar o trabalho. Um diálogo já visto se repetiu não com as próprias palavras, decerto; havia conseguido descanso de tantos dias desde que, em ao menos um dia, fosse ao clínico geral checar se não havia maiores possíveis mazelas. Prometeu. Ao contrário do que é normal, de ir o enfermo ao curador, pediu a seu vizinho, pediatra em ofício, que viesse vê-lo e receitá-lo algum anti-histamínico ou algo do tipo. Quais são seus sintomas, pergunta de praxe, Tenho nariz escorrendo e uma dor de cabeça imensurável, Que parte lhe dói mais, no meio, na periferia, na nuca, No lado esquerdo, Dói ouvidos, Dos males, o menor, pegou seu estetoscópio, Fundo, ..., ..., ..., Nada, foi cortado por um espirro e continuou ignorando o degrau causado pela esternutação, Grave aqui, Receita algum remédio em especial, tenho que voltar ao trabalho, É uma virose boba, nada mais, em mais tardar semana que vem estará curado, tome água, repouse, alimente-se bem e veja se arrume sua sala, certamente o pó daqui ajudou na sua sinusite. Tchaus e agradecimentos. Ao sair o doutor da sala, ele não deu a menor importância para o último conselho, mormente por saber que virose é a culpa da efemeridade quando não se acha explicação mais aceitável, ademais, sua sala nunca havia lhe traído, o pó era seu amigo. Manteve-se sentado só se divertindo com seus cem canais em companhia de seu cachorro – é divino notar que os animais percebem o mal estado de saúde dos donos e ficam sempre ali, nos espreitando, meio que esperando o causador sair de nosso corpo para, com uma só mordida, acabar-lhe com a raça.

Já era noite, o sono não havia lhe visitado, estava atrasado, era madrugada. Em um de seus canais preferidos, estava passando um filme deveras aflitivo, desses que nos mantém tensos dos primeiros ao último minuto. Nada de sucesso ou produzido pelas maiores do globo, era um filme do tipo underground trash, típico dos não endinheirados ou que não querem se endinheirar. Numa das cenas finais, clichês desse gênero, o bom moço está entrando no reino do mau moço, a pequenez do protagonista no cenário é marca típica de alguma metáfora que ninguém entendeu, nem eu, nem nosso personagem ou seu cachorro. O bom moço não teve sequer a inteligência de notar que o mau moço estava seguindo seus passos; a sonoplastia tensa e poderosa é que dava o clima tenebroso, não a cena em si. Nosso protagonista – não o do filme, percebe – começa a roer a unha de seu dedo-pai-de-todos de tanto nervosismo, mesmo com um enredo no lugar-comum, a música foi capaz de causar-lhe algum medo. O susto está no porvir já, logo ali na dobra do horizonte, joga seu pedaço de unha recém-roído a seu cachorro, que o morde como um brinquedo. Suas cordas vocais tremeram como as de um bebê que pede pelo leite da mamãe, essa, por sua vez, não compreendendo pelo que sua cria chama, puxa-lhe ao colo, bate em concha suavemente nas costas da criança, dá-lhe atenção, brinca, troca as fraldas, alimenta-o – tudo pelo conforto do sangue do seu sangue )que, de fato, é uma falácia, sangue aqui é metáfora de gene, sendo esse a pedra angular do restante(. Seu grito bate violentamente contra os vidros das janelas de sua sala – todas abertas para arejar o ar enfermo – fazendo-lhes tremer. Assim que o susto se acabou e o grito se cessou, decide por assistir filmes outros, como aquele em que a protagonista filha de aristocratas se apaixona pelo pianista da taberna que vive no curral pois um quarto lhe custa por demais.

)Acredito que não foi dada devida atenção ao que de mais importante aconteceu nesse momento epífano do conto, não cabe a mim agora repeti-lo, por ora, segue a leitura de nosso amigo doente.(

Já era dia seguinte, dormira lá mesmo, em seu projeto de sofá preto, com a televisão ligada no volume baixo, para que o som servisse como música de ninar. Seus olhos estavam com argueiros já fixados aos cílios, a cera que surgia em sua orelha era mostra de que a sinusite havia sido levada às áreas próximas de cuidado da rinologia. Talvez devesse eu ter deixado o filme, minhas forças pareceram escorrer conforme os sustos vinham. Nós sabemos que o pó é o seu problema, como em qualquer outra crise alérgica, esse é o mor dos males; é desse item trupe que devemos nos livrar – ou melhor, sabemos nós que o que limpa e cura de fato é uma lavagem não só nos cômodos da casa, mas como também nos cômodos do corpo, começando pela alma e passando à carne pecaminosa e suas entranhas. decerto a lavagem espiritual seria a de maior abrangência, pois então! Sua cabeça cutucava o mundo externo com maior raiva, a comparação aqui vale, ponhamos uma criança em uma caixa e a deixe crescer; em questão de pouco tempo o tampo será o limite, enquanto sabemos que não o deve ser. Era almoço e decidiu dar-lhe um presente: dignidade mínima no cardápio, ao menos um escalope de filet mignon co molho de laranja, ou então gengibre, para curar-lhe da virose. A única peça bovina que tinha era moída. E de segunda qualidade, daquelas que fazemos comida para o cachorro. Ignorou o fato e refogou o pouco que lhe cabia, adicionou cenouras, ervilhas, milhos e champignons para gostar um gosto – hm... – inédito. Para finalizar, restou na despensa um pote de molho de tomate que serviu como líquido para o prato. Os chefes franceses que cuidem, pois nosso dono-de-casa sabe se virar com nada. Fez uma xícara de arroz, uma salada crocante de alface americana e torradas com molho pronto italiano, um bom vinho do porto de uva ruby acompanhando um jazz com swing latino. A primeira garfada foi dada, a carne estava, seguindo suas palavras, Com gosto de homem, bem genérico assim, sem explicar mais – acredito que não tenha ele provado de fato para saber se o gosto é ou não similar. Não conseguia parar de comer, mesmo com a qualidade sendo das piores, sabia que serviria como remédio, como anestésico para a dor, mais uma e outra garfada o prato estaria limpo.

Era hora. Depois de digerido o almoço, a comida já estava – em menos tempo que o normal – batendo-lhe ao reto, chamando o porteiro, pedindo permissão para sair. Foi um relacionamento muito breve, porém intenso entre ele e a carne. Não teve agilidade suficiente para chegar ao estacionamento das comidas-já-digeridas e no sofá mesmo um creme de cor de “carne com gosto de homem” – assim mesmo, bem genérico – se esparramou embosteando toda a sala. Até exagero é capaz de não sê-lo se dizer que o vão da porta de entrada foi coberto por carne digerida.

Estava muitíssimo mal, além de com hemicrania colossal, defluxo constante e pirexia de trinta e nove graus Celsius, tinha uma diarréia que não o deixava sair do trono da casa. Com o telefone em seu colo, disca para você, doméstica conhecida – e nada mais – de nosso personagem, pedindo para que viesse limpar, por todo obséquio do mundo, a sala. Você vai já imaginando que nada mais do que alguns centímetros de sujeira estaria em sua frente; lá você repara que a sala por quase completamente, tinha seu piso espacanhado da mais pura diarréia. Você, ao contrário do que pensaria em fazer, está com sua mão a destino da merda, como se estivesse vendo nela um retrato do que sempre procurou; seus dedos nem sequer se mexem para olhar ao redor, estão com uma idéia fixa. Ele está ocupado demais para saber o que se passava no cômodo ao lado, você, contudo, ia à busca daquela nhaca, suas unhas são as primeiras coisas-vivas a tocar toda a bosta, brincam de se misturar e entrelaçar, estão em desarmonia de uma maneira muito atípica.

Você está segurando um tanto considerável de excrementos fecais dele na palma de suas duas mãos, as unhas se deliciaram com o contato inovador e incomum, agora é você que encara toda aquela arte que o intestino humano criou. Você não parece desconfiar conscientemente, mas agora sabe que seu desejo maior é tê-la para si; toda a bosta deve ser só sua. Você sente isso. Você não consegue negar. Os olhos da merda fitam seu rosto como se fizesse um pedido de Por favor, guarde-me, você se sente cada vez mais na carência de tê-la, está desconfiado de qualquer ladrão, quer mostrar ao mundo que agora é seu, porém não quer deixá-la a mostra.

É agora, não passa desse instante, é a única maneira de só você guardar toda essa bosta. Sim. Você faz isso que imagina agora. Seus braços se dobram para orar a deus por uma prece e seu rosto cai como se acabasse de perder a maior guerra de sua vida. E no encontro do divino vívido e do mundano sinistro, seus dentes brancos se enegrecem com aquela pasta.

)Como sabem, você é um personagem múltiplo, desse raciocínio, perceberemos que alguns personagens você iriam fugir, com toda aquela sujeira nos dentes, para longe, esconder-se e só futuramente pensar em divulgar o segredo ou não. Outro possível final dessa tristeza é você não limpar os dentes e ir ao banheiro dele. – ah, ah! foi isso mesmo que você fez! você anda a passos lentos e vitoriosos e dá-lhe um sorriso dizendo que nada ali caberia em si só, aquilo passaria do limite de sua casa. Afinal, é impossível que excrementos não saiam pelo cu, há vezes, o que vemos é a diarréia.(

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

_do breu à magia

)já diria Borges em seu jardim de veredas que se bifurcam; nada melhor para falar do tempo do que não o dizer(

Sussurros silenciosos saltam a seus ouvidos. Era o vento que lhe passava berrando uma taciturnidade mais que atordoante: assustadora; uma panapaná ao longe vazia movimentos disformes que causavam o vendaval calado – a ele, mais do que sonoro, era visível; muito mais que sensível, era palpável; um tornado vinha da direção das borboletas, elas não o preocupavam, a ventania era o que parecia de pior e de mais importante. Sua queda era involuntária, mas sabia que, ao final dela, sua vida seria mais instantânea que a de um hidroxônio. Sua queda. Sua. )por aqui, faz-se presente a insuficiência da linguagem oral( Ele sabia – sim sabia, todos sabem, inclusive você – que há vidas depois da morte. Crêem que já não é a primeira vez que ele cai; os testemunhos já o viram antes, caindo desse mesmo penhasco, um tiro certeiro para aquele lago logo ali embaixo. Morre. Renasce. Remorre. Rerenasce. – uma poesia concreta surgia – E assim durante muito tempo. Dizem que essa será a derradeira queda, uma taciturna e infeliz. Aí está sua razão, leitor. Você caia juntamente a ele. Você o via. Ele não. Você diria que é a primeira vez que caem em dupla. Os anciões do vilarejo mais próximo, em sua sábia esclerose, refutam qualquer idéia de primeirismos ou segundismos. Cansam-se de dizer: você sempre caiu com ele. s-e-m-p-r-e. A verdade já não é uma nesse lugar. Se você dizer o contrário, nada mais coerente será. Voltemos ao fato: ele cai. Por opção. Um panapaná borboleteia ao longe, causando um terrível furacão – ó, quanto exagero! quanto lirismo à toa!, diriam os poetas estadunidenses – uma mescla de barulho – quem diz que o silêncio é ausência de som, é surdo, diriam os velhos – com animalidade e destempero. Confirma a literatura local que borboletas arrevoando ao longe, atrapalhando em seu modo a queda de qualquer aventureiro ou místico, é sinal de apenas uma constatação: o suicida está a elucubrar sobre a vida e sobre seu destino. No caso, neste específico caso de agora – preste atenção no mito local, esse muito lhe diz –, o destino é aquele lago logo aqui. Bem aqui – pois é, o tempo gasto só para esse primeiro parágrafo já o faz aproximar do fim, o lago se aproxima. Ele cai. Você em complacência, acompanha-o.)aos movimentos seus não cabe ao texto aqui explicar. Você muito bem o sabe, não? O que iria eu fazer na mudança de suas ações? Você que diga a si próprio.(

Pois agora já tudo muito bem explicado está. O antes e o depois, contudo, em nada foram tocados. O penhasco do qual ele se jogou era deveras indescritível – como o mundo, digamos. o penhasco era o mundo, porque não? – e reconfortante aos casais que se apertam, ou aos sonolentos que gozam do sono, ou aos solitários que pairam ao horizonte, olhando sabe-se lá para o que exatamente – se lêem o céu, se o modificam, não o sei eu; sei que os dedos dos solitários brincam com o ar como se tocassem liras ou harpas ou violas ou pianos. esperam ouver uma música incompreensível. Sim, o penhasco traz uma visão eterna e infinitudinalmente maior que tudo que é o universo. Dizem os velhos esclerosados do vilarejo que de lá – e só de lá – pode-se ver o que há e o que não há, que de lá se vê o mundo, vê-se o não-mundo, vê-se o mundo-por-vir. Outros, céticos por sua vez, dizem que o mundo, o não-mundo e o mundo-por-vir só são visíveis nas águas do lago. Os poetas – assim como ele, esquecia-me de dizer – só vêem o mundo, o não-mundo e o mundo-por-vir quando penetram surdamente no reino das águas do lago. E só então. Aos lagos, poucas palavras poderia eu dizer, são simples como lagos são aqui no mundo de cá, molhadas, umas translúcidas, outras turvas, umas salobras, outras potáveis, uns lagos profundos, outros rasos. Esse em questão é – dizem – de águas profundas, de um fim que não existe – pois aí está o mundo! –, salobras e turvas, tão quanto o Ness, nada mais justo. Para que, pensa um suicida, saber eu quando me vou ao fim? para que sentir a dor precipitadamente quando sei que a dor será daqui a dois metros? pois essa dúvida, a possibilidade de saber que não sabemos de nada, de sentir o indefinido – como se só existisse isso no universo – é o que nos faz sentir o que chamam de paz. A sensação é incômoda – quem disse que era gostoso? – como é a da insuficiência, entretanto, as flores florescem e o que amofinava deixa de existir, o sentimento de poder ainda vagar e vagar, de poder nadar e nadar, de ter a possibilidade de ter possibilidades. Alguns plebeus testemunhos proferem que o vício do ele em suicidar-se vezes é o de poder sentir-se pacífico – e paz é liberdade, pois então! O corpo dele finalmente corta o lençol d’água da superfície, seus olhos se cerram, seus ouvidos já foram ensurdecidos pelo furacão do panapaná, sua boca nunca será aberta. Com um celeridade típica dos poetas, fica parado, não que isso signifique falta de movimento, por inércia, nada, recortando o caminho de todos os entes aquáticos, seres jamais vistos e inexplicavelmente amigáveis a ele – que passeia e só passeia. Faz um caminho novo, vai ao fundo – o que é “fundo”? um pé que não alcança o chão não sabe o que é fim se não sabe que haverá um, não é isso que dizem os acadêmicos? – ou àquilo que quer chamar de fundo, sente nada molhado, sente um arrepio correndo pelas costas, um fio de “aha! então é assim que se sentem os poetas!”. Um peixe que costumava se chocar com ele não passou nem perto nesse momento – mesmo o animal fazendo o caminho rotineiro de ida às borboletas, observá-las, senti-las )pois os animalejos são poetas também! e pensam e sabem e sambam e dançam sempre que um panapaná cria um redemoinho dessa grandeza( e retornando britanicamente no mesmo horário. Um vôo, ou ainda, um nado pleno, digno de ser o derradeiro dessa vida. Ele cai, sente-se no indefindo, e suspira como se tivesse acabado de ver pássaros voando no céu, como se passassem eles por nuvens, como que querendo chegar ao outro lado. Era um suspiro de proximidade, um suspiro dos que agem igualmente.

E você, pergunto eu. E você, que faz, mantenho a pergunta. Sei que não disse a si sobre a lagoa ao lado dessa. De fato, águas translúcidas, vê-se peixes, vê-se o fim. Paradisíaco. Ficou abismado, ein? Esqueceu de acompanhar ele? Não vai penetrar no lago assim como ele? Aquele lago ali é mais amigável, esse que ele pulou amedronta, sim. Um suicida não teme nada, a não ser a vida e o sentimento de vida, por isso escolhe o lago de águas turvas.

Ok, correto. Fique você em sua decisão, se acompanha os peixes ou se ele. Sinta-se como se estivesse em casa. Vou-me cair nessas águas nebulosas e obscuras – já ouço as borboletas dizendo vá, vá, caia, sinta. Mesmo retornando da morte em instantes, nunca mais serei o mesmo. A você, digo que cairei aqui num caminho sem vida e sem retorno.

Adeus!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

_o definido, o reflexo e o objeto

_hereditariedade

Meu pai dizia que somos, os homens, como ondas no mar.

Eu acho que nós não passamos de cristas de ondas do mar.

Quando era pequeno, achava que éramos crateras da Lua.

Meu filho, diz que somos




)pessoas, leiam o texto abaixo, esse daqui foi só uma brincadeira...(



O título anterior, _a história por Tertuliano Máximo Afonso, era falso e não condizia com a idéia original de Tertuliano Máximo Afonso, sentei-me ao lado dele para conversarmos um pouco sobre os S.C., cheguei à conclusão de que o título não era conveniente. Tertuliano Máximo Afonso nem sequer me pediu que alterasse, simplesmente o fiz por saber que ele é daqueles que não fala muito com você - ele fala e você escuta o que acha que é pra você. A alteração se fez necessária e agora uma explicação se pareceu ainda mais necessária. O título atual, _o homem que nunca haveria de ser duplicado, é uma referência ao livro do Saramago - ele, ele, sempre ele! - , _o homem duplicado, que esou lendo. Creio que o final do livro dele seja algo coerente com o que está sendo...ops...alterei o título novamente, o atual, _o definido, o reflexo e o objeto, traz consigo o livro do Saramago, e mais além, traz uma gradação - ou graduação? - indiscutível que o texto trabalha. Pois vejam vocês: nada é como aquilo que já se viu e vivemos como uma onda no mar, já diria Lulu Santos, e somos, nós, as ondas. Mentira.

Ei-lo:



Naquela casa logo ali, essa mesma na qual vossos olhos decidem repousar - não lho é engraçado? quase um ponto de apoio de seus olhos -, é naquela, justamente, essa aqui, que mora a família S. C., uma das mais filhosas e primosas que essa cidade já viu, decerto a seria, afinal já há algumas gerações em períodos pré-feudais ou até mesmo pré-romanos - os mais estudiosos não remontam tempos alguns -, o patriarca primordial, o Sursum Corda - daí o nome da família, se bem pôde notar, ao menos é o que alguns o dizem -, era algo próximo ao que tu, leitor, tens de Gêngis Khan: um puto pai, ou ainda, para melhor descrevê-lo e com palavras de menor pejorativação, um profissão procriador. Ao todo, estima-se que a cada tribo culturalmente diversa da última conquistada - ou simplesmente visitada -, nosso Khan queria pôr-se ao eterno procriando-se feito um animal - pois então! -, para tanto, não admitia, contudo, dois filhos em mesma tribo ou mesmo clã ou mesmo Império.

Pois o leitor que bem lê não se contenta com apenas uma constatação e cá lha vai - e os incrédulos céticos que decidam por não ler se assim lhos convier -: Sursum Corda, assim como Gêngis Khan, foi amaldiçoado pelo deus de maior poderança e maior liderança que havia; Guredaant: certa vez, conta-mo a lenda, Sursum Corda fez um pacto com Guredaant que, em troca de sua proteção e sua iluminação, Sursum Corda não poderia nunca procriar-se duplamente em uma mesma cidade tampouco poderia acompanhar seus filhos, caso o fizesse, haveria a promessa de fim do - estes que vos chamais - Mundos, ou, mais precisamente aos pragmáticos, realidades - apesar de mo ser mais amigável e correto chamá-las verdades -, promessa que nada os deuses fariam para cumprí-la, seriam os autores os próprios da família. Uma vez vistos um contra o outro, o embate seria de magnitude inimaginável.

Recomeço esse parágrafo parafraseando o anterior: pois então como hoje, precisamente nesse momento, enquanto vos falo da história dessa família, naquela casa logo aqui há toda a família unida sem haver nem sequer um terremoto ou um indício de fim do mundo? pois aguardem até o fim. Indiginado com sua sina e com seu infeliz ilimitado poder de liderança, Sursum Corda, em uma das tribos que procriava com o intuito único de manter-se ab aeternum, descobriu um deus, Acason, dos deuses, o mais metafísico - não estranheis, leitores, na época em questão, todos prumavam ao destino sobrenatural -, e a ele implorou favores e favores, pedia paz no mundo todo - mentira! orava por paz entre seus filhos, queria era seu bem mantido. Acason, o deus da certeza, podia dar-se ao luxo de quebrar os paradigmas divinos e conceder-lha a dádiva sem amaldiçoá-lo como forma de pagamento, não o fez, como bem o sabem. Desta vez, Sursum Corda e todos seus filhos perderiam a visão, mas não simplesmente cegados seriam, e sim sem olhos ou globos oculares, como quisereis, em seu lugar, passariam a ter um dispositivo divino que traria à visão dos S. C. o mundo todo falseado - do jeito que o é, decerto, porém copiado à mão pelo poder divino, ainda sim o faz uma cópia, e distorcida. Hoje podeis chamar de realidade virtual, apesar de o termo não se correlacionar plenamente ao fato. Ao lugar de verem-se uns aos outros, vêem-se uns os retratos dos outros, uma tradução divina que não é nada como a realidade em si. Felicitações aos S.C., olham-se, mas não se vêem: ao menos algo lhes é digno!

Então o que lhos digo é justamente isso: nesta casa ali que está em nossa frente moram os S. C., os herdeiros diretos de Sursum Corda, como sabe-lo eu? pois é de lá que saem os pseudo-cegos que rondam este mundo, que sabem ver o mundo de um jeito que os de cá não conseguem ver: em coisas banais, tais quais debates políticos em sua televisão, vêm algo que nunca nos imaginaria ver; mundos belos e justos em todos os discursos, vêem mentiras, pieguices, não crêem nos que lhes foi dito. Claro deve ser posto que os mundos a cada um representados pelos deuses são diferentes, como não os poderia? e que cada crítica, cada palavra que lhes saltam da boca são - e naturalmente as deveriam ser - diferentes e díspares. E únicas.

Como esperado, os S.C. tomam para si os poderes de persuasão de todos a sua volta. Houve tempos, quando ainda estavam dispersos e longes um do outro, que eram eles os reis, os déspotas, os maiorais - e mais morais - dos povos que lhes seguiam. Em realidade, não eram reis, eram mais e não o eram em sincronia. Quando os reis governavam, os S.C. governavam os reis, ditando-lhes ações, assim faziam também com todo o resto de seus próximos, as regiões, microespaciais, eram-lhes; por fins historiográficos, definiu-se como poderosos os Luises XIV, as Elizabeths I, os Joãos e Manueis, os Sebastiãos, os Carlos Magnos - afinal, sabe-se que a história é a estória dos vencedores, e os S.C. não teriam porque razão exiberem-se a ponto de mostrar sua maldição ao todo eterno que a história proporciona; dão-se como vencidos quando em verdade são os vencedores. Pois então seria pleonasmático dizer eu que toda a população mundial segue os ditames dos S.C.? disparate o seria, claro o é. Não é humanamente possível - e os S.C. até segunda ordem são considerados meros humanos amaldiçoados - governar todo e qualquer movimento ou decisão dos humanos, conhece-se que somos ariscos, não gostamos de ser guiados e cegamente dirigidos, temos ao fundo um sabor de revolta - por isso digo que todo homem é por excelência anarquista - que impede o total controle dos S.C. sobre nós. São eles, deveras, os guias, mas nós que ditamos os detalhes - ou creis tu que Nixon e todo o caso Watergate teria sido tramado pelos S.C.? decerto o caso foi de desvio indubitável e de egoísmo pleno: os homens precisam dos S.C., sua existência é modelo. Quem a eles seguir nenhum problema terá, será, como pequena desvantagem, um submisso com conforto para o eterno.

Seria chover no molhado, ainda, se dissesse eu que esses S.C. nada mais são do que cópias melhoradas, ou ainda, cópias atualizadas de Sursum Corda e de seus filhos? creio que não o disse previamente; a maior felicidade e orgulho dos S.C. é o progenitor, o patriarca de toda essa geração, a ele devem muito. Graças a isso, portanto, sua conduta sócio-política é-de se esperar que não tenha variado muito. Erra-se aí o descuidado, os tempos mudaram nesse século passado. Poderes políticos democráticos, avanços tecnológicos, a voz dos mudos; os S.C. tiveram a obrigação de alterar as suas formas de poder, sabiam que se não o fizesse perderiam a liderança e gradualmente perdoavam os que antigamente seriam dados como assassinos, assassinavam os que eram tidos como pacificadores, acariciavam os bolcheviques, beijavam os clássicos, glorificavam Henry Ford. Até que hoje mantem seu poder, de fato alterado, sob formas várias. É de se espererar, outrossim, que a família S.C. tenha crescido consideravelmente; se já a era enorme, hoje é ainda mais populosa - a maior que já houve!




Ah!!

Ah!!!

Reparai, estais prontos?! Lá vêm eles! Finalmente sairão, verieis essa espécie underground de que tanto falo! Lá vai, vem o primeiro )...minutos, horas quiçá, passaram-se até que o último integrante da família S.C. saisse,...(

Nossa! Posso jurar que vi com esse olhos que meus me são que havia um de vós lá, não! Olha bem, repara, há você, e você também! Quanta semelhança! deus que me é! Todos vocês lá estão!! São sósias, definitivamente! Quanta maravilha!

[A voz que não é de pessoa alguma]: )Num instante de loucura, o narrador olha para trás para comparar e comprovar a semelhança feia de tão grande que havia entre seus leitores e alguns dos S.C.. Agora está ele perplexo, olhando para o sul, nota-se sozinho - mas jura poder ouvir vozes que repetem as suas, um eco em timbres e tons diversos. Fecha os olhos como que buscando fugir do momento de negação pelo qual passou. Ao abrí-los, percebe: ele está entre - e é um - S.C.. Sozinho e rodeados de outros parentes, decide rumar para seja lá onde...(



)...pois agora, ao cabo do conto, esse o é levado, arrastado e chutado pela plêiade da família S.C., que anda para o nada.(