segunda-feira, 21 de junho de 2010

_intermitências da morte

ou O Evangelho Por Ele Próprio


A mariposa auri-negra Átropos, que não voava desde 2005, pousou em sua mão direita. Era o sinal dos deuses: seu ciclo de vida daria sua principal guinada, guinada essa ainda mais importante da medalha que Zé recebera na Suécia há uns anos. Os olhos nunca deixaram que a força das pálpebras os fechasse – até este instante, durante o pouso da tal da mariposa, que, misticamente, os fez passar por uma alva lucidez cegante, nada muito sério, nada que modificasse sua présbiopia, talvez nada além de um sinal da idade. Incomodados com essa situação descomunal, os olhos decidiram se cerrar por exatos 35 segundos. Zé só não aproveitou a oportunidade para dormir por culpa dessa mariposa, que repentinamente alçou voo, assustando-o. Os olhos, já abertos, passam a questionar a sanidade de seu Zé: estavam os dois a delinear um cenário peculiar: o horizonte aos poucos vai perdendo a alvura e os traços não enganam, o que se desenhava defronte era ele mesmo sentado em um trono com flores de lis. Agora que acordaste, acreditas, perguntou uma voz bastante familiar a seu Zé, Quem és tu, retruca inutilmente – o silêncio era a mais clara das respostas, era Sousa, o que, de fato, pouco diz, Há um Sousa em cada esquina, ao mínimo, nosso protagonista costumava dizer.

)Quem é Sousa, questiona o leitor desavisado. Sousa é o apelido que o todo poderoso gosta de dar a si mesmo quando aparece em forma masculina para os ateus. Sousa, o nome humano mais próximo de Sou a Sé, é também, e não por acaso, um dos sobrenomes mais comuns, como imagina-se. Talvez faz-se necessário, ainda, apontar a razão desse encontro pouco usual: nosso protagonista, Zé, passou dessa para melhor, como diria os mais folgados e acomodados. Zé está morto(

Sousa, Sim, sou eu, Zé, acreditas agora em minha existência, Só aceito os ditados não-eclesiáticos, são Tomé só acreditava vendo, eu nem isso. Zé era mais do que cético: era dogmático, era apaixonado, era devoto, era extremista, era ateu e Sousa nenhum o teria crédulo. )O que esperar, deve você perguntar, do encontro de um ateu e um deus e uma crônica totalmente fictícia? Talvez nada.(

Por que é tão difícil que tu crês em mim, não vês tudo que criei, as fábulas divinas, o mar, as ilhas, as penínsulas, os cães – amigos tão fiéis dos humanos, os personagens políticos, os nomes, os ingratos, a felicidade que só vem em detrimento do caos, as cartas, as cores roxa, amarela e preta,...Chega, interrompe Zé, tu não criaste nada disso – tudo já estava lá antes de tua primeira aparição – a única coisa que fizeste foi dizer a nós, humanos como eu, o leitor,..., que tudo isso talvez merecesse mais atenção do que de fato dávamos, Ah, então crês, Nunca disse que não cria em ti, Sousa, não estou a te ver, a conversar contigo, pergunta Zé, que continua, Pois a falar sozinho não estou – sanidade é minha virtude de que mais me orgulho, Então por que és agressivo, descrente, incrédulo, cegado, Pois não sou, já disse que orgulho-me de minha sanidade ferrenha, estás aí, na minha frente,transvestido de humano homem, não creio é naquilo que te rodeia, naquilo que pertence a ti, que está em ti, mas que não é seu; sou descrente e incrédulo desse trono donde falas, dessa cadeira irreal formada por flores de lis.

E como se essa cena fosse parte de uma ficção, uma rajada flamejante carboniza única e somente o trono donde seu Sousa falava. Finalmente ele e seu Zé se colocam frente a frente, altura empatada; igualmente pequeninos. Com tom de vencedor retórico, Sousa sussurra aos ouvidos de seu Zé, Não crês, mas sabes quem sou.

)Você, leitor, sente que, independentemente das negações, das insistências e dos egos e falsas modéstias de seu Zé e Sousa, um é outro e outro é um – isso se não são os mesmos.(

sábado, 5 de setembro de 2009

_manchete de jornal

ela, nua, volta seus olhos ao espelho burlado de vapor de chuveiro do banheiro do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro.

ele, tímido e curioso, vestia uma toalha vermelha. está agachado, com vistas fixas à fechadura da porta do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro.

você, em pose religiosa de oração, está no quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro.

ela, você a vê, a porta do banheiro do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro está aberta. sua máquina fotográfica – dela – está quebrada, o que lhe resta é a pintura – na tela de vidro, com tinta de vapor d’água – desse reflexo que a perturba: você embaçado em pose religiosa de oração.

ele, você não o vê, a porta do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro está fechada – e ele não tem as chaves. sua máquina fotográfica – dele – não consegue captar a imagem pela fechadura, o que lhe resta é escrever – com tinta tão cara, o sangue de suas lágrimas são suficientes – nesse pedaço de guardanapo a cena que causa um som tão perturbador: você em pose religiosa de oração gemendo em lá 440.

ela mal vê você – não sabe que é você – sabe, pois, que há algo no reflexo do espelho do banheiro do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro. ela não ouve sua – sim, a de você – respiração ou seu gemido em lá 440 (a ducha a ensurdece – ou é algo mais?), ela não sabe – e por isso teme o que você é.

ele vê você – não sabe que é você, apesar de saber que é humano e que está em pose religiosa de oração. a fechadura do quarto de hotel em que Jack Nicholson dormia para escrever seu livro é estreita, os olhos dele conseguem apenas capturar metonímias de você. a porta é de madeira maciça, daquelas antigas, dos tempos do hotel em que Jack Nicholson escreveu seu livro, daquelas que se escuta pouco do lá 440 que você produz.

ela desenhou. dizer que desenhou você seria mentir – mas desenhou: vapor, espelho, ela nua, você atrás, ducha, oração, Jack Nicholson.

ele descreveu você. dizer que descreveu algo que não você seria mentir – ele viu você, ele ouviu você, ele sabia que era você.

)hoje, no mundo onde o “pós-(coloque aqui o seu –ismo)” está na moda, está você a ler o sangue no guardanapo e a ver o dedo escorrido no vapor do espelho. você não se lembra do sangue e não entende o vapor. Jack Nicholson também não. Jack Torrance – o louco – solta um riso insano (em lá 444) quando vê o dedo no vapor. Jack Nicholson (que também atende como David Locke), chora uma lágrima vermelha e soluceja em lá 440.(

ela e ele – malditos! – não sabiam o que você fazia.

você sabia






)o nome desse texto mudou...perdeu a graça, mas aposto que você pegou!(

sexta-feira, 27 de junho de 2008

_o espelho

Espelho se quebrou,




)Botões por abrir,

uma abelha a te picar.




Pica-me a mim!(




Ah, isso tudo é do lado de lá do reflexo do espelho. De que me adianta?


Não sei, mas sei que amei e amo (.)