domingo, 14 de outubro de 2007

_pena, suas próprias

Antes, pra facilitar a vida de vocês, vai um poema do Décio Pignatari para vocês refletirem...E em seguida, o famoso...

LIBERDADE

ave sem asas

se vou dá-las

voa




-X-

Pena, suas próprias

À procura do outro lado

O que se tem de meritório é que a Pena, ainda que de modo penoso e célere para a memória já desconhecida, porém vagaroso, persistia em dançar com o vento central que a arrancara e de modo repetidamente primário e incipiente mantinha a paixão florir. Até

Memórias de um Esquecimento, já diria Thais Echeverria. Entretanto, diria ainda Bataille, ou se é essência ou nada se é.

Àquele maldito vento, um sentimento de dolo do comodismo e de arrogância. Onde ela está? “Aí, Zé, ôpa”, voaria Guimarães Rosa. Perdida. Uma inspiração bastá-la-ia. Uma imaterialização prática. Uma idéia. Conquanto o indeferimento pudesse doê-la as entranhas, aquilo Seu o chamava.

A Pena mal havia caído e se libertado, finalmente livre para crescer e ser, sozinha, algo maior do que era antes em seu conjunto. Há pouco, levemente tocada pela tristeza e pela dor da pressa, das escolhas e dos itinerários que foram tomados, dançava continuamente nas nuvens, recortando ao alento dos ventos que a costurava no céu formando os mais belos caminhos e mais exóticos desenhos que jamais imaginara poder criar, a Ave voava e cantava timidamente à cidade, embelezando um pouco o cinza e o amarelo. Cores. Às cegas, rumava ao anoitecer ignorando a escuridão e atentando somente ao seu vôo solo, belo pela espontaneidade, largava-se, seu corpo dançava um tango, um samba, uma valsa e uma polca, cada uma ao seu momento, jogava-se ao sabor das penas, que por ela nasciam, e do vento e a tal azo cortava as nuvens a seu bel-prazer, sutilmente, e com brio de não errar, planava o dia completo e se perdia com os vendavais de Março. A Ave se cansava de fastio ao capo de sua vida florestal e ansiava as frentes frias e quentes. Cantarolava, regorjeava para si e isso o fazia inteiro, misturando experiências em conjunto às experimentações e escolhendo e escrevendo sua sina por sua escolha, livre como foram as cavalgadas de Sete de Ouros e os relatos de Bento Santiago. A Ave, por eterna irracionalidade e anúmera submissão, voava com dificultosa normalidade e rasgava os céus prazerosamente com um movimento ainda desorganizado de suas asas e penas, os ventos benquistos eram os de maior medo, de maior escala, e como um músico, um astro de Rock nos orgasmos prévios, de previsão do que se sucederá, teme a incompetência como almeja o sucesso, treme com a nota e soergue unido à multidão, numa ligação espiritual, um pedaço de imortalidade. Desafiava o amanhecer e venerava o pôr-do-Sol alaranjado encorajador. Do amarelo ao laranja, passando pelo vermelho, um dia morreria e nasceria na memória do desbravamento dantes.

Num dia nublado, com nuvens grossas, quase que infindas, em que seu caminho natural seria barrado pelo calvário, a Ave, temerosa e oportunista, se despena com os vendavais – que, ainda fracos de ar e ricos de potência, assustavam-na – lançando aos ares e à toada da cavalgada toda sua sustentação para seu vôo. Caia vertiginosamente contra a montanha.

)Um instante de negação toma conta do Tempo e tudo o que se via era a pintura natural do caminho do Sol , seus raios penetrando violentamente contra as inocentes nuvens – amareladas não pela idade mas sim pela esperança de se completarem com as penas voláteis e com a feição inocente de uma Ave – forte e soberana – que nada busca senão o outro lado , aquele que apenas os Grandes conseguem . Uma busca de vitória e de instinto . O Tempo pára e nada mais é importante senão a cena em si e a beleza da arte . No amontoado de penas , que se faz perder a lógica e a continuidade , o instante em si é a vitória.(

A Pena, recortando e redesenhando à sua percepção a alvura do céu, voa sutilmente e envolve sua submissa Ave. Sobe, desce. Ascende, transcende. Retoma, redoma. Nessa circulação invisível à imensidão do entardecer, a Pena, quase que com vida própria porém mútua aos ventos, às Aves, às nuvens e ao vôo, faz-me lembrar que nada é maior que o detalhe: ainda as penas voavam descontroladamente, quase que ordenadamente – trouxeste a chave, perguntam.

Eu teimava em cair. Não compreendia a tranqüilidade com que tudo se mantinha em movimento – espontâneo à Arte do que é natural – e porque raios tudo aquilo fluía de modo calmo. A mim restava a serenidade. Deixei-me.

Só quando me quietei para apreciar o fim de algo que nem havia começo – sim, uma atemporalidade como são todas similares – de modo a notar na dança do caos – tal qual se é na realidade da poesia – a beleza.

)De muito aquele momento me parecia com o que se escreve aqui, um aparente horror – assim é aos desavisados – que maquiava o que de ímpar se queria esconder. E mais um momento o que era movimento parecia pousar na pausa imaginária e tudo aquilo, o Vento, parecia agora uma mão que me levantava em união ao meu conjunto. A Pena, aquela que sozinha nada é e comigo se é auto-suficiente, estava à parte; dançava em volta da Nuvem e dentro dela estava. De súbito, um bando de aves surge ao horizonte, iluminados pelos feixes solitários de luz que passavam às nuvens que cobria todo o céu – eram alguns hábeis que conseguiram adentrar no mundo ininteligível. Cada um voando sem regras procurando o outro lado. Procurando voar livremente. Isentos de culpa, sem errar e tampouco sem acertar, ao sabor do alento, ao sabor do vento.(

O segundo – eterno aquele – em que subíamos foi registrado nas nuvens, a Pena escrevia estranhezas em um tom azulado violeta para que lêssemos. E lá se imaterializou e imortalizou.

Eu, a Ave que havia feito tudo aquilo, vitorioso – mesmo que condenado ao esquecimento – sabia que era: ainda que imperfeito e impreciso, todo aquele erotismo fora criado sem que se fosse penoso. )Todas as nuvens foram contaminadas pelas penas que eu decidi onde e como posicionar, à oscilação dos ventos de outono. Eu ainda caia, mesmo que sem notar, sem me deparar com a ameaça que estava defronte a mim. Os Ventos existiam, mexiam comigo, no entanto não o que deles precisava já fora laborado( Fiz Arte: o bem fazer imprecisões que ininterruptamente são apropriadas àqueles que arriscarem transpassar a continuidade.

No chão, caído e deslumbrando toda a beleza dos céus e do meu pedaço – aquele que fiz –, calo-me e assim permaneço horas – julgaria minutos ou segundos – até que algo recomeçasse.

Não tarda, voltam-me e crescem as penas e o Vento volta a uivar. Pronto a voar estou. E assim faço: naquela escrita ininteligível e plenamente verdadeira para mim e para todos diferentemente, volto a bailar uma dança nova, como essa que vocês acabaram de concluir.

2 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado por me deixar postar meu novo texto!!!hahaha

Guilherme D. disse...

Finalmente! Li pela quinta ou sexta vez, e desta vez entendi! Consegui captar...
Borbas, cada vez me surpreendo mais...
Que orgulho! Quero ser igual à você quando crescer...