quinta-feira, 23 de agosto de 2007

_pelo buraco da fechadura

)Tudo que aqui se escreve deu-se nos instantes em que escondia-me atrás das portas e espiava o mundo a minha frente.(


Sempre quis fazer como nos filmes: aprender a ver pelo buraco da fechadura, na minha juventude, o que as meninas faziam no banheiro, e na minha meninice, como era tão diferente a minha atitude em relação aos outros - um vouyerismo latente nosso. Questionei-me inúmeras vezes, como não iria?, porque razão os filmes poderiam ser tão inverossemelhantes e falsos - tão mentirosos quanto um retrato; quase que um auto-retrato. Era cada vez mais explícito para mim que era simplesmente impossível poder observar através da porta. Como isso me irritava: não o fato de minha incapacidade de pós-ver o que se escondia atrás de um pedaço morto - no sentido biológico - e ao mesmo tempo tão vívido; irritavam-me as mentiras dos malditos diretores cinematográficos que conseguiam expor uma cena completa de algo além do alcance visual apenas com o zoom da câmera. Odiava saber que nunca ninguém conseguiria - e conseguirá - tal feito: odiava-lhes ainda mais.

Sentia-me frustrado com a idéia de que eu era pior do que um aparato tecnológico. Pior, sentia-me vencido covardemente pela frieza com que tratavam o zoom: lento, gradativo, aberto e simultaneamente microscópico. Como gostaria de ser um mosquito para poder pousar eternamente no meio daquelas fechaduras...e deliciar-me com tudo aquilo que somente eu podia ver. Assim como meus amigos, era extremamente fantasioso e possessivo. Queria tudo. O "meu" e o "eu" valiam para a vida do mundo.

Eu tentava - juro! -, mas tudo que conseguia pensar era na tristeza de não ser capaz de ver tudo. Queria ser infalível. Queria ser mágico. Queria ser tão único quanto aquela bela menina, de cabelos de cor que ia do loiro ao castanho e ruivo meio encaracolados nas pontas e lisos nas raízes. Como admirava seus olhos, brancos como nuvens e ao mesmo tempo repletas de cor e de sabor e de saber, traziam um sentimento de plenitude único, um sentimento de realização. Estranho era notar que isso me agonizava, me doia nas entranhas. Quiçá era novo ainda - já fazem 4 anos desde esse fatídico dia. Oh, ó que belo seu rosto de adolescente em mudança, cada momento uma pequena alteração: uma espinha aqui, outra acolá. Sei sim, apaixonei-me por aquela garota e por sua intactibilidade. Era jovem demais e já idealizava garotas...imaginem meu futuro, que triste. Preferia ficar horas namorando aquela dona de minha razão a ler os best-sellers infantis, achava melhor poder eternamente me aconchegar ao seu lado do que tentar voltar ao enigma da fechadura - mesmo que tudo que via fossem especulações.

Mas não, algo me incomodava e me punha sob o risco mortal de cair de meu posto: outros viam bisbilhotar a minha garota dos olhos. Enraivecia-me. Como pode? Porque eles conseguem e eu não? Não entendia a razão de ser inferior - era de fato.* Voltei-me a considerar a situação: mesmo sabendo da presença dos outros, reparava que seus sorrisos eram mais retos, suas gargalhadas mais escandalosas, enfim, diferentes. Como? como? como.

Depois de velho na medida do que passou – e inda novo na medida da Vontade – consegui compreender que o que víamos através daquela peça de madeira humanizada era o que queríamos ver. Partindo-se da consideração de que não se pode ver a cena por completa, fica óbvio dizer que o que será visto é conseqüência do bel-prazer do intruso.

)Aguardem vocês: certa vez, em uma das minhas viagens a Portugal, vi, em um restaurante, José Saramago, sobrancelhudo, a caminho do toalete. Acolhi, certamente, o convite explícito: venha-me ver, ou então, venha me ver. E fui. Assustei-me: encontrei de tudo no banheiro, desde uma belíssima e esquelética Átropos até o asco da volúpia a meio de fezes e urina. Vi um pastor ainda mais bondoso que deus. Senti que ele era Sísifo – vi que ele estava em meu corpo ou eu no dele, que seja.(

Infelizmente vivemos num mundo cinéfilo. Pena não acatá-la. Hoje os mais cegos são os que mais vêem e os que menos observam. Hoje se inverteu a posição do Leste. Ou pior: não mais há a escolha singular, só a escolha da conveniência.


)como narrador calado, porém onipresente e independente de meu deus criador, digo-lhes um ou dois segredos, dependendo do ocaso, que são mais importante do que o já mostrado. Trata-se de uma psicose nervosa ocorrida durante os parênteses anteriores. De fato, desde a abertura dos parênteses inicial.

o primeiro segredo é a falha, a eiva do escritor, marceneiro, que, enquanto escrevia penosamente - sofria incessantemente câimbras e dores em seu braço...exercício divino ou humano, que seja...dores que machucavam, mas que, em ato, nada muito no percurso mudaram - esse pequeno diário subjetivo e de validade nenhuma, fechara a porta de seu recinto. E o fizera sem aviso prévio, o fizera na calada da noite - aqueles que com ele moravam estavam na atemporalidade – da maneira mais estúpida: batera com vigor fálico a ponto tal de toar uma canção – aos acordados – ou um barulho – aos dormentes que relaxavam em seus colchões de penas ordenadas e que nunca receberam o toque do vento. Uma sonoridade indescritível que serviu como chamariz – cavalar e em demasia – para os que moravam consigo acordarem e tentarem entender o que se passava.

Os curiosos e os bajuladores correram como formigas que se escondem da chuva verãnal para descobrir o que havia de fato. Aí acontece a metafísica desta dissertação: cada um a seu momento espiava pelo buraco da fechadura a cena interna e presente ao escritor. O primeiro passo foi tímido, o segundo mais confiante, o terceiro, desavergonhado e claramente desrespeitoso – quem? – e assim eram os olhares.

,ele se molesta, ele reza, ele faz festa, ele solta fezes às, ele tapou o buraco, eu escrevia, ele fugia. As respostas para o que ocorria atrás da porta variavam de cada olho. Como, perguntariam os céticos, e Claro, perguntariam os indecisos, e ..., confirmariam, incisivos, os alguns viajantes que passavam a noite em sua casa.
Ainda não lhes foi esclarecido o segredo: aqueles que moravam consigo eram cegos no ócio e observadores dos mais apurados quando interessados. Morava no manicômio.(



)como autor, deus do mundo do não-não, o crucrilar é o processo do sucesso. O recital com a Orquestra é o insucesso dos outros. E eu perco quando fecham os olhos.(




*lê-se um borrão nesta região

3 comentários:

Tatiane Ribeiro disse...

Qtas coisas já quis ver do buraco da fechadura... Uma vez, ainda nova, queria mto VER o que era um mictório, já q só tinha no banheiro masculino. Mas não era possível da fechadura, simplesmente pq a porta dava d frente para uma parede, q tampava td o banheiro. O q fazer? Não, eu não podia simplesmente esquecer; o desejo (que já virara angústia) de saber oq era aquilo era mto maior que o empecilho. Então, me resolvi: dei a volta, fiquei no pátio da escola enquanto os outros já haviam entrado e espiei pela janela. Não foi fácil, pq ela era alta, mas não desisti. E, enfim, soube o q era o maldito mictório (que dps de visto, não era mais desejoso nem charmoso como antes).

Acho q sempre há as janelas, a menos que valha mais a pena apenas o querer ver, e não o ver em si. (talvez eu teria sido mais feliz se não tivesse visto o mictório).



Outro ponto: lendo, comecei a pensar no q teria acontecido com o homem-barata de Kafka (Metamorfose) se alguém o tivesse conseguido espiar pela fechadura antes que ele saísse tão estranhamente de seu quarto... Talvez ele ainda pudesse estar aqui pra contar...

Giu disse...

Cadi, eu ainda nao acredito q a menina nao sou eu!!! parece comigo, e faz praticamente 4 anos q tinha ocorrido - praticamente 4 anos de namoro

eu ainda acho aquilo q eu te falei =]
amo vc, gordo!

Ricky disse...

O melhor texto que vc já escreveu.Pela primeira vez reconheci vc num texto. Aos poucos acho que vc vai sair da posição de observador e vai viver. Vai compreender que pode ser público e palco ao mesmo tempo.
O texto é extremamente poético e me fez lembrar a opção que tenho pelo cinema.

Abç dos olhos

Tem texto no meu blog.